Um + um = caos

Escrevo esta crónica para todas aquelas que estão a pensar, a gerar ou a pegar pela primeira vez num segundo filho. E escrevo, mais uma vez, para vos alertar sobre aquelas pequenas coisas de quem ninguém fala. Porque as há e não são poucas.
Tal como antes de termos o primeiro toda a gente nos pergunta quando é que vamos ter um filho, quando este nasce a pergunta passa a ser “e para quando o segundo?”. Os argumentos de incentivo são infindáveis: é amor a dobrar, o melhor presente que podes dar a uma criança é um irmão, onde come um comem dois, à segunda já sabes tudo, era giro teres um casalinho, e por aí fora. Tudo muito bonito, tudo muito verdade, sim; mas cuidado, não se deixem enganar pela euforia dos adoradores de bebés, porque a verdade que ninguém vos conta é que, no toca a filhos, um mais um não é igual a dois.

Cada filho é diferente do outro
A primeira grande ilusão que nos faz querer ter um segundo filho é que este vai ser como o primeiro. Partindo do suposto que o primeiro foi um bebé fácil, claro. Mas mesmo para os que tiveram bebés difíceis, tipicamente, quando começam a pensar no segundo filho já o primeiro tem mais de um ano, isto é, já é um ser adorável, brincalhão, que anda, brinca, fala e até começa a comer sozinho. Mais: já se pode deixá-lo a brincar na sala enquanto vamos fazer o jantar ou folheamos uma revista no sofá.
E porque nisto da maternidade quanto mais o tempo passa mais a memória se torna selectiva, o parto, os primeiros dias em casa, as cólicas quando as houve, os dentes, a canseira daquela fase em que nem andam nem querem estar sossegados numa espreguiçadeira, tudo começa a ser esquecido e já só nos lembramos do cheirinho a bebé, dos refegos, dos sorrisos e das emoções das primeiras vezes. Assim, quando damos por nós, já parámos de tomar a pílula, ignorando que a segunda gravidez, o segundo parto e o segundo filho podem ser literalmente o oposto do primeiro. Podem e geralmente são.

O trabalho não duplica, multiplica
Outra das ilusões é que o trabalho vai apenas duplicar. Supostamente seria assim, mas não é. A sensação que uma mãe de dois filhos tem é que eles se multiplicam, não em presença física, até porque não são Gremlins atingidos por água, mas em disparates. E em roupa suja... É dar o biberão a um enquanto fazemos um puzzle com o outro, é limpar o chocolate que um deixou cair no sofá com uma mão, enquanto agarramos o que acabou de tropeçar com a outra, é pedir uma pizza ao telefone enquanto um grita que quer o Canal Panda e o outro o Cartoon Network. Não há um minuto de tréguas. Para ajudar à festa, onde antes havia dois adultos para uma criança o que, bem ou mal, permitia dividir o trabalho pelos dois, agora há um empate técnico. Ou no caso de famílias monoparentais, uma clara desvantagem. A expressão “multitasking” foi definitivamente inventada por uma mãe.

Cansada passa a ser o nosso estado natural
Bom, agora que o primeiro filho já está grandinho e todas as rotinas estão implementadas, eis que chega um novo elemento à família para trocar as voltas todas. Parabéns. Vais descobrir que afinal é possível sobreviver longos meses sem dormir mais do que cinco horas seguidas, sem fazer uma refeição completa (e quente) e sem ter tido um momento a dois com o teu marido. E porquê? Porque os irmãos têm sensores e combinam um com o outro maneiras de nos torturar. Por exemplo, se o bebé dorme a noite toda é o mais velho que tem um pesadelo; se um se porta bem ao jantar, o outro não quer comer; se um está cooperante, o outro está do contra. Tudo isto aliado com o ponto acima faz com que haja dias em que vais acabar tão, mas tão cansada que desejas adormecer e só acordar daqui a três anos.

O tempo para nós desaparece
Demora mais ou menos um ano até que uma mãe de primeira viagem consiga voltar a fazer as suas coisas. Ir ao cinema, ao ginásio, tomar um longo banho de imersão, jantar fora com as amigas e esse tipo de programas. É uma questão de ganhar confiança no marido, na mãe/sogra ou na baby-sitter. Mas, de repente, começa tudo outra vez e, se já era complicado deixar um bebé com alguém, mais difícil se torna deixar dois. A minha mãe e a minha sogra até se oferecem para ficar com os dois ao mesmo tempo, mas eu não sou assim tão má. É muito giro durante uma hora ou duas, mas mais que isso, começa a ser verdadeiramente desafiante e fisicamente desgastante, pelo que acabamos por não ter coragem para repetir o pedido muitas vezes.
Assim, se com um filho já não é fácil arranjarmos tempo para nós próprias, com dois ou mais filhos o desafio é avassalador. É chegarmos ao ponto de não termos tempo para tirar o verniz das unhas ou arrancar uns pêlos das sobrancelhas, quanto mais ter energia para beber um copo com os amigos à sexta-feira ou ir ao ginásio três vezes por semana. E quanto a longos banhos de imersão, não aconselho: o mais provável é adormecermos na banheira ao fim de dois minutos, com risco de afogamento.

Eles não se entretêm uns aos outros
Muitos pensam que é óptimo ter mais do que um filho porque os irmãos se entretêm uns com os outros, libertando assim os pais para os seus afazeres normais (se é que ainda se lembram do que eram os afazeres de uma vida sem filhos). Nada mais enganador. Enquanto são pequenos não podemos deixá-los a sós, por razões óbvias: as crianças esquecem-se que um bebé não é um boneco e os bebés querem fazer o que os mais velhos fazem, resultando em acidentes inevitáveis. Quando crescem, começam as brincadeiras a dois, mas também os disparates (mais de 10 minutos de silêncio e é melhor irmos espreitar o que se passa) e as famosas lutas fratricidas (“oh mãããããeeee!!!” passa a ser a expressão mais ouvida).

A solidariedade entre irmãos é tramada
Sim, é lindo vermos um irmão a defender, a ensinar ou a ajudar o outro, mas muitas vezes a solidariedade entre irmãos funciona contra nós. Quando um chora o outro chora porque o mano está a chorar; quando um faz um disparate que provoca o riso, o outro imita para também ser engraçado; quando um tem sede o outro também fica com sede. Unem-se ainda na hora de vestir (correndo um para cada lado), na hora do banho (transformando a casa de banho num lago) ou na hora de ir para a cama (saltando de cama em cama como macaquinhos). Por fim, e este ponto é inevitável e extremamente desgastante, quando um fica doente o outro fica logo a seguir, pelo que os típicos dois ou três dias em casa passam a ser cinco ou seis.

Portanto, é um facto indiscutível que o amor, as alegrias, as gargalhadas de dois filhos são a dobrar. E é tão bom que, se os filhos chegassem já com um ano e eu tivesse condições financeiras, até tinha mais um ou dois. Não imagino um mundo em que um filho meu não tivesse pelo menos um irmão e em que eu não tivesse pelo menos dois filhos. É maravilhoso vê-los interagir, vê-los abraçarem-se, e é fascinante perceber como podem duas crianças nascidas dos mesmos pais ser tão diferentes e únicas e especiais. Mas que é uma canseira, é. Acreditem. E que há alturas em que vão desejar fechá-los num quarto até à manhã seguinte, também há. O caos faz parte do processo de ter uma família grande e um dia vamos morrer de saudades dele.

Comentários

  1. A Victória e a Esperança chegaram quando a Matilde ia fazer 3 anos.... , agra com dois anos e 5 é... vá... é... quando vejo um bebé pequenino apetece-me ter outro mas logo de repente o meu consciente me manda uma carolada e a insanidade é apenas temporária.... :) ehehehehe

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