Os portugueses refilam pouco

Somos um povo cheio de qualidades. Somos criativos, corajosos, desenrascados, prestáveis e amistosos. Mas também somos pouco reivindicativos. Claro que no café, ao pé dos outros, mandamos bocas e protestamos contra tudo e mais alguma coisa. “Se fosse comigo ias ver”, “era só o que faltava”, “ o que eles mereciam era isto e aquilo”. Só que depois, na solidão da individualidade, pomos o rabinho entre as pernas e vamos para casa felizes por não ser nada connosco ou, se o for, apostando na atitude do “se ninguém faz nada, também não sou eu que vou fazer”.

O problema é que isto está a levar a uma crescente falta de civismo. O sentimento de impunidade leva os prevaricadores a esticarem a corda e os outros a terem cada vez menos coragem de intervir. E isto passa-se a todos os níveis, seja na politica (mas nem vou entrar por aí), no nosso posto de trabalho ou no quotidiano social. 

Isto vem a propósito de um episódio que aconteceu no meu prédio, onde está a haver obras que têm começado por volta das oito, oito e meia da manhã. Ora, nos primeiros dias dá-se um desconto, mas quando o despertador começa a ser diariamente substituído por marteladas (incluindo ao Sábado!), começa a ser demais. O cúmulo foi ontem, quando as marteladas começaram às sete e vinte. Quem é que tem a falta de senso de começar uma obra num prédio residencial a essa hora? Saltou-me a tampa. A mim e ao meu marido, que saiu da cama disparado, pronto a descobrir onde estavam os trabalhadores da madrugada. 

Não os tendo vislumbrado, decidiu contactar o condomínio e os outros condóminos. Qual não foi o nosso espanto quando nos disseram que a obra estava a ser feita numa das lojas do piso térreo e que, até então, ninguém tinha protestado, embora o regulamento do condomínio diga que só se pode fazer ruído depois das nove. O mais engraçado é que nós moramos no último andar! Se, a nós, as marteladas soavam como vindas de debaixo da cama, imagino o que ouviam os vizinhos do primeiro ou segundo andar. Mas ninguém protestou durante uma semana inteira, o que me leva a levantar duas hipóteses: ou todos os meus vizinhos acordam antes das sete e vinte, ou estão tão incomodados como eu, mas preferem ficar sossegadinhos nas suas casinhas à espera que alguém faça alguma coisa. Não tenho dúvidas que ganha a segunda.

Chamem-me refilona, mau feitio, o que quiserem, mas para viver em sociedade todos temos de contribuir para o bem comum. Todos temos de chamar a atenção da criancinha que está a pisar as flores do canteiro, ou do jovem casal que deixa a fralda suja do bebé no meio do jardim, ou do senhor que passeia o cãozinho e não apanha os seus dejectos. E não é postando um comentário no facebook para que os nossos amigos se riam muito e façam “like”. É confrontando a pessoa, cara a cara, com educação. Mesmo correndo o risco de, do doutro lado, ouvirmos uma resposta ordinária. É que se nos calarmos, em breve serão os ordinários a maioria.

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